Auditoria do TCU aponta extensa lista de desafios para a faixa de fronteira
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O Tribunal de Contas da União apresentou no dia 2 de agosto os principais trabalhos realizados pelo tribunal na área de segurança pública nos últimos anos com destaque para a Auditoria nas Políticas Públicas de Fortalecimento das Fronteiras Brasileiras, cujo objetivo foi avaliar os aspectos de governança do conjunto de políticas públicas para o fortalecimento da faixa de fronteira, com o propósito de aprimorar a atuação governamental naquela região e de melhorar o desempenho da Administração Pública. Por meio da realização da auditoria, pretendeu-se fornecer um diagnóstico do estágio de desenvolvimento em que se situa o sistema de governança inserido nessas políticas, notadamente dos seus componentes relacionados a institucionalização, planos e objetivos.
E o que foi encontrado preocupa pela gravidade extensão, o que levou o Tribunal a determinar à Casa Civil, que, no prazo de 180 dias, seja encaminhado Plano de Ação ao TCU, previamente discutido com os setores envolvidos, que contemple o cronograma de adoção, ainda que parcial, das medidas necessárias à implementação das recomendações apresentadas, com a indicação de prazos e responsáveis, bem como justificativas a respeito de eventual impossibilidade de implementação integral da recomendação alvitrada.
Pelo relatório divulgado, o TCU constatou a inexistência de uma política nacional própria para a região, instituída por lei, e a ausência de planos suficientes para orientar plenamente as ações dos diversos órgãos com atuação na faixa de fronteira, capazes de estabelecer os recursos necessários (dinheiro, pessoal, material e sistemas), sequenciar atividades e prever etapas de realização de objetivos e metas.
Outro aspecto relevante diz respeito a fatores políticos, institucionais, operacionais e legais, que criam obstáculos à unidade de esforços conjuntos, haja vista as disputas partidárias pelo controle de ministérios, órgãos e entidades, que se somam aos respectivos interesses e ditam os rumos a serem seguidos, muitas vezes conflitantes; a competição orçamentária; a busca das metas individuais pelas organizações, que, não raras vezes, vem de encontro às necessidades ou objetivos das demais parceiras; os conflitos de competências, jurisdições e atribuições; as dificuldades de ajustamento mútuo, em face das configurações de estruturas estabelecidas em todos os níveis; as fricções de cargos e carreiras; e até mesmo as barreiras de ordem interpessoal.
A auditoria abrangeu o perímetro da fronteira dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, onde foram realizadas entrevistas com os dirigentes dos órgãos federais e estaduais responsáveis pela promoção do desenvolvimento, segurança e integração da região. De acordo com o trabalho, os desafios ganham dramaticidade considerando-se o conjunto de políticas públicas de naturezas transversais que alcançam a fronteira brasileira, sobretudo pela complexidade de áreas envolvidas, com elevados graus de interferências mútuas, sob esforços coordenados constituídos em multiníveis.
Entre os problemas específicos da região, conforme constatado, podem-se destacar: a baixa densidade demográfica, a ocorrência de crimes transnacionais, a existência de conflitos fundiários, a injustiça social e a degradação do meio ambiente. Além disso, as populações locais estão permeadas por cidadãos de países vizinhos, com reflexos diretos nas áreas de segurança, saúde, educação, emprego e assistência social.
Por outro lado, conforme apontado naquela fiscalização, a faixa de fronteira também tem diversas potencialidades a serem exploradas, como turismo, riquezas naturais, florestas, terras férteis, potencial hídrico e mineral, além de serem rotas de comunicação comercial e social internacional e de acesso à costa oeste da América do Sul (Oceano Pacífico). O desenho atual das políticas públicas destinadas ao fortalecimento da faixa de fronteira objetiva minimizar os problemas já diagnosticados e aproveitar oportunidades mapeadas nas áreas de desenvolvimento, integração e segurança.
Recomendações
A auditoria do TCU recomendou que o Ministério da Justiça promovesse melhorias com as seguintes providências. Para o TCU, a regulamentação da função de polícia de fronteira contribuiria para definições mais seguras de ordem quantitativa e qualitativa à política de pessoal aplicada aos órgãos que atuam na região. O adequado dimensionamento dos quantitativos de pessoal alocado às atividades de prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços permitiria a efetividade das ações dos órgãos ligados à segurança da fronteira.
O Tribunal recomenda ainda a adoção de medidas que incentivem a alocação de pessoal nas localidades fronteiriças pelos órgãos encarregados de zelar pela segurança da fronteira, a fim de contribuir para o controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços. O aumento da oferta de cursos de capacitação e treinamentos aos servidores que atuam na segurança da fronteira também contribuiria para melhorar o desempenho organizacional.
O TCU considera que o compartilhamento de todos os projetos que visam o aparelhamento dos órgãos responsáveis pela segurança da fronteira permitiria a programação otimizada de investimentos em recursos materiais. A definição de papéis e responsabilidades dos coordenadores do Plano Estratégico de Fronteiras possibilitaria o exercício da liderança como fator de integração entre as agências que atuam na região. Por fim, pede que sejam elaboradas regras que promovam e orientem o compartilhamento de informações e recursos materiais interagências devem transpor barreiras interinstitucionais estabelecidas e estimular a unidade de esforços convergentes.
De posse dessas informações, o Tribunal recomendou à Casa Civil da Presidência da República, à Vice-Presidência da República e aos coordenadores do Plano Estratégico de Fronteiras (Ministérios da Defesa, da Fazenda e da Justiça) que aperfeiçoem a estrutura de liderança a ser praticada no âmbito do Plano Estratégico de Fronteiras, com destaque para a definição de funções e responsabilidades dos coordenadores do Plano, em conjunto com os seus órgãos partícipes, assim como no Centro de Operações Conjuntas (COC) e nos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira (GGI-FRONs), estes em comum acordo com os Estados, a fim de que possam ser reconhecidos pelo conjunto de órgãos que participam da política de segurança na fronteira, atentando para a necessidade do estabelecimento de indicadores objetivos que permitam avaliar a efetividade das ações previstas nos programas correspondentes.
Não apenas isso. Recomendou ainda à Casa Civil, Ministério da Justiça e Ministério da Defesa, que promovam discussão interna com o propósito de elaborar projeto de lei ou decreto, a ser submetido à análise do Ministério da Justiça, para regulamentação do exercício de função de polícia de fronteira, estabelecendo-se competências e delimitando-se o alcance dessas atividades, especificamente quanto à responsabilidade pelo patrulhamento ostensivo das fronteiras e de um normativo regulamentador, definindo-se o caráter temporal das intervenções (permanente ou periódico) e os procedimentos a serem observados, tanto em ações individuais, como em conjunto com os demais órgãos envolvidos.
Além disso, o TCU recomenda aos coordenadores da Comissão Permanente para o Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira – CDIF (Ministério da Integração Nacional) e do Plano Estratégico de Fronteiras (Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Ministério da Fazenda), que, face à ausência da formalização de uma política nacional de fronteiras, sejam envidados esforços para melhorar a articulação com os diversos órgãos e instituições integrantes dos colegiados sob suas coordenações (CDIF, COC e GGI-FRONs), a fim de estabelecer critérios e procedimentos de atuação integrada, com vistas à edição de normativos interinstitucionais que reduzam a termo as funções e responsabilidades das partes envolvidas, guardadas suas atribuições individuais dispostas em leis próprias de criação e respectivos regimentos internos.
Pede ainda a previsão, nos normativos, de participação social nos fóruns já estabelecidos, inclusive os processos decisórios assim como a adoção de ações pertinentes que despertem o interesse da sociedade e demonstrem a utilidade e os benefícios de sua colaboração e participação para o alcance dos resultados desejados, a exemplo de seminários, oficinas de trabalho e outros meios que promovam a interação dos interessados e a elaboração de modelo de participação social que garanta o envolvimento dos interessados, de forma equitativa e balanceada, na definição das prioridades da política pública em curso.
No rol de recomendações, o TCU sugere a articulação com os demais membros integrantes da CDIF, com a finalidade de se editar um instrumento formal que consolide os elementos necessários para a caracterização de uma lógica de intervenção das políticas federais aplicadas à faixa de fronteira, sob os aspectos de desenvolvimento socioeconômico, segurança e integração. Pretende-se também com isso alinhar insumos, atividades, produtos, efeitos e impactos em função dos problemas a serem atacados; a convocação dos demais membros integrantes da CDIF para debaterem processo de planejamento para as políticas federais voltadas para a faixa de fronteira, que compreenda as áreas de desenvolvimento, segurança e integração da região, de forma unificada ou setorizada; a identificação de um plano consolidado, complementar ao PPA, de recursos destinados à política aplicada à fronteira, incluindo montantes orçamentários e outras formas de financiamento, pessoal qualificado, infraestrutura física, sistemas de informação, entre outros, necessários à implementação dos programas relacionados ao desenvolvimento, integração e segurança da região, acompanhando da estimativa do potencial benefício auferido pelo país com a implantação das medidas propostas.
As recomendações não param por aí. O TCU propõe aos coordenadores do Plano Estratégico de Fronteiras (Ministérios da Defesa, da Fazenda e da Justiça) que promovam discussões acerca da execução das operações integradas, a partir de levantamento de domínios temáticos que requeiram atuações coordenadas, com o objetivo de se estabelecer e formalizar mapa de processos, geral e/ou setorizado; que orientem a Secretaria da Receita Federal do Brasil e os Departamentos de Polícia Federal e de Polícia Rodoviária Federal para avaliarem a necessidade de se promoverem estudos com vistas a detecção dos benefícios advindos de uma atuação mais efetiva nas fronteiras comparativamente a possíveis distorções na relação entre os quantitativos de servidores lotados nas áreas fim e meio de cada órgão, assim como nos critérios de definição de lotação das diversas unidades do interior do país, com o objetivo de, mediante a adoção de incentivos, otimizar-se a alocação dos recursos humanos disponíveis para o alcance dos resultados institucionais.
O TCU considera importante que se destaquem de suas atribuições gerais aquelas necessárias especificamente para as atividades de prevenção, controle, fiscalização e repressão aos delitos transfronteiriços, com o objetivo de promover levantamentos de efetivos necessários para o desempenho satisfatório de suas funções, com base em critérios devidamente formalizados que levem em conta indicadores selecionados, definidos pelos respectivos especialistas, utilizados para se aferir a efetividade das intervenções e a redução dos ilícitos praticados na região; a orientação das Forças Armadas, da Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos Departamentos de Polícia Federal e de Polícia Rodoviária Federal a realizarem, de forma articulada, levantamento dos recursos materiais necessários para o desempenho satisfatório das atividades de fronteira a seus encargos, compatíveis com os efetivos requeridos, a fim de racionalizar o aproveitamento e definir a necessidade de complementação destes, com vistas a enviar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão como proposta de inclusão nos documentos oficiais orçamentários e financeiros da União (PPA, LDO e LOA); além de providenciarem levantamento junto às Forças Armadas, à Receita Federal do Brasil e aos Departamentos de Polícia Federal e de Polícia Rodoviária Federal, a fim de identificar os sistemas de Tecnologia de Informação utilizados e projetos relacionados em andamento, e coletar seus interesses e necessidades de infraestrutura, equipamentos e informações, com o objetivo de estabelecerem e tornarem obrigatórias regras de compartilhamento interagências, a serem institucionalizadas por intermédio de normativo próprio interministerial, que garantam a otimização dos recursos materiais disponíveis e a divulgação das informações, seguindo critérios de proteção necessários.
Pela auditoria realizada, o Tribunal recomenda ainda que se incentive e se legitime a participação dos Estados no PEF, assim como a adoção de providências que entenderem necessárias para assegurar a representação no Centro de Operações Conjuntas de todas as instituições partícipes das operações, em cumprimento ao disposto nos artigos 7º e 8º do Decreto nº 7.496/2011. Mais: que se orientem as instâncias de coordenação (COC e GGI-FRONs) a estabelecerem procedimentos uniformes de encontros periódicos, com divisão de trabalho entre seus membros, de modo a induzir a articulação dos participantes e que se recomendem às Forças Armadas, à Secretaria da Receita Federal do Brasil, ao Departamento de Polícia Federal e ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal que avaliem a oportunidade e conveniência de promover capacitações específicas e treinamentos contínuos para aprimorar as ações na região de fronteira.
A Federação Nacional dos Policiais Federais vem denunciando sistematicamente a vulnerabilidade das fronteiras brasileiras, diante da falta de estrutura para um trabalho efetivo de combate à criminalidade, especialmente em relação aos crimes de contrabando, tráfico de drogas e de armas. O Presidente da Fenapef, Luís Boudens, espera que o relatório do TCU promova os investimentos necessários para um trabalho mais eficiente nas fronteiras brasileiras. “Não há segurança nas fronteiras do Brasil sequer para os policiais que nela atuam, pois sofrem com a falta de condições de trabalho”. Nos postos policiais de fronteira os prédios estão com problemas de estrutura, muitas viaturas sem manutenção, sendo mais grave a falta de efetivo”. Segundo Boudens, a regulamentação imediata do adicional de fronteira para os policiais irá contribuir para a fixação de policiais nessas localidades estratégicas, além de inverter o processo de lotação do efetivo que hoje se restringe ao envio de policiais novos, recém formados. Esse incentivo é uma das recomendações do TCU e já é existe nas forças armadas.
Veja o relatório na íntegra: Relatório Sistêmico da Segurança Pública – TCU